Em Busca da Deusa Canibal

Performance, Escultura e Vídeo

 

Durante toda a pesquisa Paisagens em Sombras: Cartografias das Corpas Paradoxais, propus-me a escutar mulheres em suas memórias de ir e vir na cidade de Rio das Ostras e também aquelas que trabalhavam na rede institucional, que chamo na pesquisa como ações de ato-testemunho.

O encontro a que me proponho ao me propor ser testemunha — perguntar algo a alguém sobre sua história, perspectiva ou vivência na relação com a cidade —convoca-me a testemunhar algo que quebre o silêncio, alguma história não contada, algum arquivo escondido num encontro-lugar com um desconhecido que potencializaria a fala, a denúncia, as atitudes e estratégias de auto-defesa e proteção se dando através de gestos mínimos e imperceptíveis das paisagens relacionais que vão se formando através desse ato.

A Corpa-Testemunho desdobra os áudios, as imagens arquivadas e, mais que isso, encorpadas em seu processo, os transforma no documentário performativo da performance seguinte, Em Busca da Deusa Canibal. Nessa nova corpa escultura, atenho-me às inúmeras memórias de violência doméstica que são o presente que recarrega o afeto corporal. Com várias facas apontadas para fora, intento desencadear o canibalismo da própria existência através da dor das lesões corporais e das mortes por feminicídio das brasileiras para converter o objeto numa atitude de inspiração punk e transfeminista. Junto com Gilma, em seu ateliê de costura em Rio das Ostras, desenvolvemos uma forma que elas pudessem ser transpassadas mantendo a firmeza da direção das facas. Utilizamos espuma de densidade 33, e a encapamos com um tecido preto com lycra, onde Gilma abriu pequenos buracos ao longo da peça e através desses, as facas seriam transpassadas sem rasgar o material.

Esse material-armadura incitou-me a percorrer mais a cidade, a adentrar suas noites e fotografar as ruas e situações que ainda não tinha visto, a viajar para outro país, a participar de um festival de arte e ativismo. Esse material incita-me a trabalhar a dimensão do áudio com as imagens do vídeo. Esse material tornou-se meu duplo que assimilou todo percurso de vulnerabilidade na cidade e o encorpou na materialidade do audiovisual e dos contos que trago em seguida em forma de imagens-testemunhos.

Uma escultura performática em caminhada pelas ruas da cidade evidencia sua cartografia: mapas de violências vividos, predominantemente, por mulheres e corpas dissidentes implicam na necessidade de auto-defesa cotidiana. Criam também um outro corpo, talvez menos sensível e poroso - um corpo-armadura - que, em si, poderia ser considerado uma arma itinerante.

Evidencia efeitos de proteção que podem gerar um afastamento do contato com o mundo e com o outro. Em Busca da Deusa Canibal é um ato antropofágico de agressões vividas, também um grito em silêncio de nossas rasgaduras.

 

 

Ficha Técnica

 

Concepção e Performance: Marcela Cavallini

Produção e Edição: Balirec Produções

Fotografias: Pádma Fotografia e Patrick Gonçalves